"Quando é que isto começou?
Isto o quê?
Isto.
O amor?
Sim, o amor.
O amor?
Sim, pode ser isso. Quando é que o amor começou?
Começou antes de ter começado. Um pouco antes. Nenhum deles soube quando começou. Só se sabe como é depois de já ter começado. Nem se sabe o que é, sabe-se só que já começou.
E depois?
E depois não acaba quando devia acabar. Dura mais tempo. O coração bate mais tempo. Não há maneira de parar o coração.
E então?
E então é assim. Não há muito que se possa fazer. É mais do que suficiente. Tem de se aguentar. Todo o tempo que durar. Sem nunca saber, do principio ou do fim, pode-se esperar.
Pode-se esperar?
Sim. Pode-se esperar. Sem saber o que se espera. É esse o verdadeiro esperar. Ninguém pode adivinhar o que traz o amor.
Pode trazer tudo. O amor é isso tudo que se deve esperar.
Isso é ainda pior.
É. Não saber dizer o que é. Não haver palavras.
O amor não tem nome, forma ou cor. Vem quando quer. Vai quando não se espera que vá. Não se deixa adivinhar. Ninguém tem mão no amor.
E então? O que é que tu queres saber?
Eu gostava de saber.
Eu também gostava de saber. Mas o que sabe é muito pouco. Quase nada.
O amor não começa quando se quer, nem acaba quando se deseja. O amor é forte, destemido, indomável. Se não fosses tu, eu seria outro, dizem-se os amantes: eu quero viver na tua vida. Os amantes adivinham-se sem palavras, olham-se nos olhos à procura, fecham-se em quartos pequeninos. Perdem-se um no outro, agarram-se com toda a força dos dedos e dos braços, beijam-se sobre fundos abismos. O amor sempre mete medo. O medo de vir a faltar, depois de tudo ter prometido. Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta. Os amantes regressam quando a luz é pouca a um supremo egoísmo. Eu e tu e mais ninguém. O mundo pode desabar, o mar mudar de cor, a lua cair de repente. Só importa o brilho dos teus olhos e o sangue a bater nas minhas veias. Sabe-se lá o amor.
Fica quieto. Não faças nada. Ama-me mais, de dia e de noite.
O mundo não precisa saber nada disto."
Pedro Paixão, em Muito, meu amor
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