"A forma como vives a vida depende, mais do que tudo o resto, da forma como narras a vida: da forma como te narras a vida. É, muitas vezes (quase sempre), a maneira como contas a ti mesmo aquilo que vês, aquilo que te acontece, aquilo que dizes ou te disseram, que faz a diferença – e não, verdadeiramente, aquilo que de facto aconteceu ou foi visto ou foi falado. O bem-estar consiste na harmonização de diversos aspectos – mas consiste, mais do que tudo o resto, na capacidade de narração que cada um consegue desenvolver por sobre esses aspectos. O narrador mais capaz é o feliz mais capaz. Um narrador altamente talentoso, tremendamente criativo e com uma impressionante capacidade de improvisação é uma pessoa feliz. Um grande narrador consegue fazer da sua vida uma grande vida – mesmo que seja exactamente igual à bosta de vida de um narrador de bosta. O narrador de bosta, perante um facto inesperado e que lhe atrasa este ou aquele plano de vida, sente-se imerso numa vida de bosta; o grande narrador, perante um facto inesperado e que lhe atrase este ou aquele plano de vida, consegue criar uma grande narrativa: consegue elaborar uma narrativa nova, consegue confabular mil e um novos caminhos de felicidade que aquela alteração inusitada lhe permitirá percorrer. Viver não é, de maneira nenhuma, um diálogo de muitos e muitos anos entre ti e ti. Não. Viver é, isso sim, um monólogo em que tu falas e em que tu ouves. E o tu que ouve acredita piamente no que o tu que fala tem para contar. O tu que fala é o avô que, à lareira, vai contando a sua história; e o tu que ouve é o neto que, à lareira, vai ouvindo (deliciado e acreditar em cada palavra que recebe) o que o avô tem para lhe contar. Viver bem é narrar bem. Narrar de forma feliz: narrar com felicidade dentro. É bom que te esfalfes todo para seres um Faulkner ou um Lobo Antunes ou um Saramago de tudo o que vives. Porque o que te define não é a tua história; é a forma como te contas a tua história. E o resto é história." (Pedro Chagas Freitas)
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